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A dança das cadeiras de parasitos e seus hospedeiros - ecóloga Elvira D'Bastiani

Atualizado: 16 de jan. de 2023

Pesquisa investiga como a mudança de hospedeiros por parasitos pode ser facilitada por mudanças no ambiente e como isso pode aumentar o aparecimento de doenças infecciosas.

Preparado por Tuany Alves - Jornalista do Projeto Mulheres na Ecologia

Revisado por Myrna Elis - Revisora do Projeto Mulheres na Ecologia

O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) mostrou que as mudanças climáticas já afetam muitas espécies em várias regiões do mundo. Mudanças no uso da terra, urbanização e crescente conectividade global - que alteram os padrões de distribuição das espécies - apontam um outro problema: a facilidade dos vírus, bactérias e parasitos explorarem novos ambientes e emergir ou reemergir doenças infecciosas.


Foto: Acervo Elvira D'Bastiani.

A diversidade de parasitos no nosso planeta é imensa e - embora estejam bem adaptados a seus hospedeiros - estes organismos têm capacidades pré-existentes e podem infectar outras espécies de hospedeiros aos quais podem não estar expostos, como por exemplo o ser humano.

Foto: Ilustração do vírus Monkeypox. Crédito: peterschreiber.media

Um animal que é normalmente associado à transmissão de doenças - porém na verdade é apenas um dos diversos hospedeiros que um vírus pode ter - é o macaco. Para se ter uma ideia, ele é até mesmo associado à varíola. A transmissão da doença não está relacionada a eles, porém o nome - varíola dos macacos - se popularizou após a descoberta inicial do vírus em macacos em um laboratório dinamarquês em 1958.


O surto atual de varíola, que já atinge mais de 75 países, no entanto foi atribuído à contaminação de pessoa para pessoa, com contato próximo. Além disso, embora o animal reservatório do vírus seja desconhecido, os principais “candidatos” são os pequenos roedores, como os esquilos e ratos. Esse exemplo mostra a importância de entendermos quais são os mecanismos envolvidos na dinâmica ecológica e evolutiva dos parasitos, uma vez que a incorporação de uma nova espécie de hospedeiro por um parasito em seu repertório pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento.


O hóspede indesejado


Como podemos saber quem será a ‘próxima vítima’ de um parasito? Não há uma resposta imediata e simples para isso, porém um estudo realizado pela pesquisadora Elvira D’Bastiani, em seu doutorado em Ecologia e Conservação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Curitiba, mostra que há alguns fatores que estão relacionados e podem ajudar a responder essa pergunta.

Foto: Zoneamento de transmissão. Acervo Pixabay.

A pesquisadora investigou como a mudança de hospedeiros pode afetar a ecologia e a evolução de comunidades de parasitos ao longo de milhares de anos. Segundo D’Bastiani, a ideia era entender se o arcabouço teórico que a equipe tinha, quando implementado em um modelo teórico (simulação), poderia gerar cenários similares aos encontrados na vida real. A equipe também queria entender como os eventos de mudança de hospedeiro - sendo este mediado pela similaridade da história evolutiva dos hospedeiros - pode alterar os padrões ecológicos e evolutivos dos parasitos de sapos, de roedores, de peixes, de aves e de alguns mamíferos incluindo o ser humano.


Como estudar estes padrões atuais a partir de informações de milhares de anos atrás?


Como consequência do resultado da sua pesquisa de mestrado, Elvira propôs, então, às suas orientadoras de doutorado Sabrina Araújo e Karla Campião, investigar como que a mudança de hospedeiro acontece, sendo mediada pela distância evolutiva (entre espécies) dos hospedeiros de uma comunidade ecológica. Como observar isso na vida real é impossível - uma vez que é um processo de milhares de anos -, as pesquisadoras elaboraram um modelo teórico - integrando informações das espécies, criando cenários virtuais e comparando os resultados das simulações com dados coletados na natureza por outros pesquisadores.


A ideia dessa pesquisa surgiu a partir da curiosidade de Elvira sobre essa dinâmica de interação entre um hóspede, não tão desejado, e o hospedeiro. “As interações, principalmente de parasito-hospedeiro, me intrigam, principalmente em entender quais são as causas e quais são as consequências dessas associações. Por isso, investigamos como os indivíduos de parasitos se dispersam, encontram novos hospedeiros, e infectam diferentes espécies de hospedeiros utilizando informações pré-existentes ou capacidades que já possuem”, informa.




Foto: Acervo Elvira D'Bastiani.

Segundo a pesquisadora, para desvendar as causas e as consequências das associações entre parasito-hospedeiro, na maioria das vezes, o cientista vai para a natureza e coleta os parasitos de diferentes espécies de um grupo, como por exemplo diferentes espécies de sapos. “Porém, tudo depende da pergunta e do grupo de parasitos que optou por estudar. No nosso caso, como se trata de um evento que é super difícil de observar na natureza - a mudança de hospedeiro - utilizamos nove comunidades de parasitos coletados por outros pesquisadores, e desta forma pudemos explorar como a causa (evento de mudança de hospedeiro) pode influenciar (consequência) a ecologia e a evolução das espécies de parasitos que analisamos”, informa.


Ela também conta que entender a dinâmica ecológica e evolutiva das associações é complexo e contém muitos detalhes, porém com o auxílio da modelagem matemática aplicada é possível explorar um pouco sobre como essas dinâmicas podem ocorrer. “O nosso modelo é uma simplificação do que pode estar acontecendo na natureza”, destaca.


Resultados - Modelo chave e fechadura?


Mas afinal, qual foi o resultado? A pesquisa identificou que quanto mais eventos de mudança de hospedeiro ocorrem, maior será a similaridade de espécies de parasitos entre as espécies de hospedeiros. Para explicar isso, Elvira compara as espécies com uma chave e uma fechadura. Segundo a pesquisadora, o parasito precisa encontrar condições específicas para sobreviver, produzir e se tornar uma ‘chave’, a associação precisa “estar alinhada” para que se tenha um match e a porta se abra.


Outro achado do estudo foi em relação a amplitude de escala geográfica. Segundo Elvira, se você está caminhando em uma floresta pequena que é a casa de antas ou capivaras, existe mais chance de um carrapato dentro dessa floresta te picar, do que se você andar em uma floresta gigante onde existem diversas barreiras em que estes mamíferos não conseguem andar e consequentemente a chance de você ser picado por um carrapato é muito menor. Ou seja, em escala espacial menor (locais) as comunidades de parasitos simuladas tendem a ter maior intensidade de mudança de espécie de hospedeiros, por outro lado - comunidades de parasitos em escalas espaciais maiores (regionais) - tendem a ter menor intensidade de mudança de espécie de hospedeiros.


“Isso acontece devido às barreiras de dispersão, que podem dificultar ou facilitar a interação entre as espécies. Lembrando que a barreira para dispersão depende, por exemplo, da espécie que estamos estudando, uma vez que o que pode ser barreira para uma espécie pode não ser para uma outra espécie”, informa Elvira. “A nossa pesquisa gerou insights e outras perguntas. Agora partimos para tentar responde-las”.

Foto: Zoneamento de transmissão. Acervo Pixabay.

Foco na saúde


A mudança climática sempre foi um dos principais catalisadores para as novas oportunidades de interação entre patógenos e hospedeiros, porque perturba a estrutura do ecossistema local e permite que as espécies de patógenos e hospedeiros se movam para diferentes regiões. Uma vez que as espécies de patógenos se associam a novos hospedeiros, novas “variantes” podem surgir ou até mesmo reemergir, cada uma com novas capacidades de causar infecções.

Foto: Alterações Climáticas. Acervo Pixabay.

Nesse sentido, muitas espécies que antes eram restritas a áreas específicas agora estão expandindo sua distribuição e alterando a composição das comunidades ecológicas devido a intensificação das mudanças antrópicas e climáticas.


Assim, um modelo teórico em que os eventos de mudança de hospedeiro são mediados pela proximidade evolutiva entre espécies de hospedeiros pode ajudar a predizer as associações parasitárias e o surgimento de novos patógenos ao longo do tempo. “Representa um passo importante para a compreensão da diversificação das espécies de parasitos”, ressalta a pesquisadora.


“Dessa forma, entender a dinâmica destes organismos (patógeno-hospedeiro) pode ajudar em muitas questões, incluindo na relação da medicina com a ecologia de doenças infecciosas, no tratamento de pacientes (medicina evolutiva), na aplicação de biologia evolutiva para gestão territorial, gerar insights para a elaboração de políticas de saúde pública dentre outras questões”, informa Elvira.

Foto: Acervo Elvira D'Bastiani.

Ficha cadastral da pesquisadora:

Nome completo: Elvira D'Bastiani

Titulação: doutorado em Ecologia e Conservação na Universidade Federal do Paraná (UFPR)


Título do Projeto:

Effect of host-switching on the ecological and evolutionary patterns of parasites (Status: Major review in Systematic Biology - journal of the Society of Systematic Biologists)


Instagram: @elviradbastiani

 
 
 

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